#SantaCasaLegal: Direitos e deveres da vacinação, mitos e verdades sobre imunização, Fake News e penalidades para quem não vacina crianças
Autor: Janaina Siqueira Rodrigues - Analista Pleno / Jurídico
A Constituição Federal do Brasil garante a todos o direito à vida e à saúde (caput dos artigos 5º e 6º), sendo dever do Estado implementar políticas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, assegurando acesso universal e igualitário às ações e serviços destinados à sua promoção, proteção e recuperação (art. 196, caput).
O Programa Nacional de Imunizações (PNI), criado em 1973 pelo Ministério da Saúde, considerado um dos programas mais bem-sucedidos do mundo e parte integrante da Organização Mundial da Saúde (OMS), foi instituído com o objetivo de coordenar as ações de imunização que, à época, estavam descontinuadas. Desde então, contribuiu decisivamente para que doenças como varíola, poliomielite, sarampo e rubéola deixassem de representar uma ameaça à saúde pública.
Disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o programa de imunização assegura, de forma gratuita, o acesso a vacinas para crianças, gestantes, adolescentes, adultos e idosos nas unidades básicas de saúde. Esse acesso ocorre não apenas durante as campanhas de vacinação, mas também de maneira contínua, ao longo de todo o ano.
Diante de sua relevância, o dia 9 de junho foi instituído como o Dia Nacional da Imunização, uma data para reforçar a importância de manter a caderneta de vacinação atualizada, contribuindo para o controle e a erradicação de doenças.
Apesar do histórico positivo da vacinação no país, comprovado pela erradicação e controle de diversas doenças, observa-se o crescimento na disseminação de desinformações, as chamadas fake news. Isso gera medo e insegurança, deixando cada vez mais crianças, jovens e adultos desprotegidos e vulneráveis a doenças infectocontagiosas.
Entre os exemplos de notícias falsas, destacam-se as que circularam durante a pandemia da COVID-19, como a alegação de que vacinas continham chips para controle mental ou substâncias como grafeno ou materiais magnéticos, supostamente prejudiciais à saúde.
Também são recorrentes mitos como: vacinas alteram o DNA humano; a vacina contra o vírus influenza provoca gripe; a tríplice viral causa autismo, entre outros. Essas falsas crenças distorcem a realidade e prejudicam o cumprimento do calendário vacinal que, na verdade, salva vidas.
Seria impensável que vacinas fossem oferecidas à população sem antes passarem por rigorosas comprovações científicas. Ao contrário das fake news, todos os imunizantes são submetidos a estudos criteriosos, realizados por especialistas, antes de serem aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Só então são disponibilizados, com segurança e eficácia comprovadas.
A vacinação, portanto, não diz respeito apenas ao indivíduo, mas à coletividade. Trata-se de uma medida de saúde pública, essencial à proteção da vida, da saúde e da dignidade humana. O direito coletivo se sobrepõe ao individual quando está em jogo a proteção da sociedade.
Mas será que vacinar é realmente uma obrigação? Os pais ou responsáveis podem se recusar sem consequências?
A Constituição Federal, em seu artigo 227, estabelece que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde [...]”. Nesse contexto, a vacinação é um direito constitucionalmente garantido.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), em seu artigo 14, § 1º, determina que o Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica, sendo “obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”.
Salvo os casos em que houver contraindicação médica devidamente comprovada, todas as crianças e adolescentes devem seguir o calendário vacinal definido pelo Ministério da Saúde (parágrafo único do artigo 29, do Decreto nº 78.231/1976).
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o ARE nº 1.267.879/SP (Tema 1.103), firmou entendimento de que a vacinação obrigatória, desde que registrada pela Anvisa, incluída no PNI, e determinada por lei com base em consenso médico-científico, não viola a liberdade de consciência dos pais ou responsáveis, tampouco o poder familiar.
A recusa à vacinação, sobretudo de crianças e adolescentes, pode ser caracterizada como negligência e ensejar sanções legais aos responsáveis. Ainda que ninguém seja forçado fisicamente a se vacinar, a obrigatoriedade é legal e pode ser aplicada por meio de medidas indiretas.
Conforme decidido pelo STF nas ADIs 6586 e 6587, a vacinação compulsória não implica vacinação forçada. A recusa é permitida, mas pode haver restrições de atividades e acessos, desde que amparadas por lei, baseadas em evidências científicas e respeitando os princípios da dignidade humana, da razoabilidade e da proporcionalidade. As vacinas, para tanto, devem ser oferecidas universal e gratuitamente.
As sanções incluem, entre outras, aplicação de multa, suspensão ou perda do poder familiar (conforme artigos 249 e 129 do ECA), notificação pelo Conselho Tutelar, instauração de processo judicial pelo Ministério Público, impedimento de ocupar determinados cargos públicos, proibição de viagens e responsabilização criminal, conforme artigo 268 do Código Penal: “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.”
Cabe a cada cidadão buscar informações verídicas e contribuir para a disseminação do conhecimento e da saúde. Essa é a melhor forma de manter sob controle doenças que já foram devastadoras no passado.
A vacinação salva vidas!