Quanto custa a notícia que você consome de graça?
Jornalistas na cobertura de coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes-SP em 27/07/2020

Quanto custa a notícia que você consome de graça?

A polêmica ganha força no mundo. O Canadá tem na mesa um projeto de lei para obrigar as empresas de tecnologia a pagar aos editores de notícias locais pelo conteúdo que usam sem pagar nada. 

O movimento partiu do próprio governo canadense para turbinar a receita das empresas de mídia que estão perdendo publicidade para as gigantes de #mídiadigital.

Na prática, o projeto de lei Online News Act quer que big techs como a #Meta Platforms Inc. paguem as organizações de #jornalismolocal pelas notícias que oferecem nas redes sociais e outras plataformas, por exemplo. 

E o que acontece lá no Canadá, não é nem um pouco diferente daqui. É normal que as pessoas busquem as notícias nas plataformas digitais, nas redes sociais, nos ambientes em que elas navegam rotineiramente. Só que, muitas vezes, essas notícias aparecem lá depois de um copy-paste do conteúdo produzido por jornalistas em suas redações. Algumas plataformas citam a fonte. Outras nem isso. 

Já tentou pesquisar um conteúdo jornalístico e viu o mesmo texto reproduzido centenas de vezes nos resultados de busca, mas com “autoria” diferente? 

Pois é.

Não é de hoje que a #FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas – abraçou a sugestão da Federação Internacional dos Jornalistas de taxar as plataformas digitais. O propósito também é reverter a sangria financeira da publicidade nos veículos de mídia. 

A ideia da FENAJ é criar uma #CIDE - Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico – que taxaria as plataformas sobre o seu faturamento.  O dinheiro iria para um Fundo Nacional de Apoio e Fomento ao Jornalismo. A proposta da #FENAJ, como está no site da Federação, é que os recursos “protejam as condições de vida e trabalho dos jornalistas brasileiros; promovam a democratização da comunicação com produção local e regional de notícias e combata o deserto de notícias e respeite o interesse público e à democracia no critério da produção jornalística e uso para o fortalecimento da pluralidade na produção jornalística com promoção da igualdade de gênero e raça, valorização da soberania nacional e liberdade de imprensa.”

Beleza, né? 

Projetos de lei com o mesmo tema estão tramitando no #CongressoNacional para evitar que as #BigTechs se apropriem de conteúdo jornalístico sem pagar nada por isso.

Toda essa discussão é muito importante e oportuna. Mas também é necessário olhar a base da pirâmide das redações brasileiras.  

O encolhimento e empobrecimento intelectual das redações são consequência direta da perda de receita. Troca um profissional que ganha R$10 mil por um de 5. Simples assim. Isso tem um efeito colateral muito danoso para os jornalistas que permanecem empregados em emissoras de TV e de rádio ou no jornalismo impresso: o excesso de trabalho e de funções. 

Ser multitarefa é considerado até um valor nesse ambiente.  Mas a que preço? Os telejornalistas, por exemplo, tem que fazer a matéria para o telejornal; gravar um vídeo para as redes sociais chamando o produto; escrever para o portal de notícias e ainda fazer outras versões da reportagem. Um aumento violento de pressão e cobranças, com impacto direto na saúde mental e física dos trabalhadores. 

O dono da palavra, o que assina o cheque, por outro lado, ganha de todo lado e agora pode ganhar ainda mais se os projetos de lei de taxação das mídias digitais forem aprovados. 

Como é hoje, as empresas jornalísticas têm vários produtos que usam a mesma mão de obra:  jornais de rádio, tv, impresso e portais de notícias. E vem crescendo nas redações a obrigação de que os jornalistas (não só repórteres) produzam mais conteúdo para todos esses produtos, com o mesmo salário. Fazer MAIS por MENOS é a palavra de ordem nesse negócio.

Só que essas mesmas empresas vendem seus anúncios separadamente, de acordo com o veículo. E os anunciantes das plataformas de notícias e sites – na maioria das vezes – não são os mesmos do telejornal ou do jornal impresso. 

Mas o trabalho do redator, do produtor, do repórter, ali na ponta, foi remunerado com um único pagamento, muitas vezes aviltante.

Nesse momento em que se discute a apropriação acintosa do conteúdo jornalístico pelas #bigtechs, é importante olhar também para quem de fato produz esse conteúdo compartilhado à exaustão: o jornalista. É ele quem apura, quem reporta, quem escreve, quem investiga e quem documenta a história. É ele quem apanha ou é ameaçado nas ruas quando a empresa que ele representa sofre grande rejeição pública.  Foi assim nos tristes acontecimentos de 08/01/2023 em Brasília. 

Olhando pra trás, para a minha história de 35 anos em várias redações do país, só tenho a lamentar que a atual e profunda revolução no modelo desse negócio e no modo de consumir conteúdo tenha transformado o jornalista na carne mais barata do mercado de notícias. 

É preciso mais proteção da lei para que esse batalhão de homens e mulheres que habitam as redações brasileiras não seja reduzido a peças substituíveis de uma fria e desumana máquina de moer gente. 

Erick Soares de Oliveira

Experienced Pre-Sales & Marketing Technology Expert | Technology Evangelist | Solutions Architect | Sales Engineer | Product, Market & Value Propositions Expertise | Broadcast, Media & Entertainment | OTT | Consulting

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Ótima reflexão. E totalmente pertinente pensar em buscar maneiras para tentar proteger e dar os devidos méritos a quem produz o conteúdo e informação. Sobre a questão de multitasking, infelizmente esse não é um "mal" somente da indústria de mídia e jornalismo, já que todas as indústrias e atividades passam pela mesma situação de necessidade de "produzir" mais com os mesmos ou menos recursos , "explorando" ao máximo a capacidade produtiva.

Isabela Hoffmann

Journalist, Screenwriter, Director and Producer. Bachelor degree in Journalism - UFSC - Federal University of Santa Catarina - Brasil. Master degree in cinema - MA Feature Film - Goldsmith College- University of London

2 a

Ótima reflexão. Acredito que o profissional “multitask” se encontra em maior escala nas TVs e há bastante tempo.. Mas sim, é uma prática que vem contagiando o mercado a passos largos, na mesma proporção em que crescem as mídias de comunicação e informação, seja TV, rádio, jornal, redes sociais, plataformas digitais… e etc… Cresce a demanda, mas esse crescimento é inversamente proporcional à valorização dos profissionais no mercado de trabalho. Fato.

Osmar Tunikito Santos

Chairman & Ceo na Corporacao Tunikito e Cacique Cobra Coral Fondation

2 a

🙌👏👏👏👏🍀

Adriano Carvalho

Co-founder na Directpar Desenvolvimento Econômico I Ex-Diretor de Atração de Investimentos na Invest Minas I Ex-Secretário de Desenvolvimento Econômico em Extrema MG

2 a

Excelente reflexão!

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